segunda-feira, 22 de junho de 2015



                                                              INDIFERENÇA


         O barulho dos carros, a agitação das pessoas, o corre-corre contra o tempo. Tudo e todos pensando na hora do almoço que já terminava, na prova de matemática, na reunião que começaria em poucos minutos, na conta de água que tinha vencido e que tinha esquecido de pagar. Tudo e todos agitados. Tudo e todos estressados, nervosos, inquietos, preocupados. Menos ela. Ela que com seu jeito simples e sereno, não se preocupava com o que as pessoas pensavam dela ou deixava de pensar. Apenas continuava os mesmos movimentos repetidamente.

         Mas as pessoas não ligavam para ela, ou melhor, nem percebiam sua presença. Estavam preocupados de mais com seus afazeres, com suas vidas que nem se quer tinham tempo de pensar em outras coisas. Em outras pessoas.

         E ela continuava ali. Ás vezes do seu pensamento surgia uma música que gostava. Gostava de cantar. Como gostava de cantar. Até tinha uma voz bonita, afinada. Cantar é bom, deixa o espírito mais leve. A música é capaz de transmitir muitas coisas, todos os sentimentos: amor, raiva, saudade.

         Todos os sentimentos.

         Resolveu parar um pouco. Sentia-se cansada. Sentou-se na beira da calçada. Dali via todos os carros, e de todos os modelos e anos. Que barulhão, motores ligados, buzinas, gritaria. Ai que poluição sonora!!!

         Levantou-se lentamente.

         Com os gestos tranquilos, suas mãos iam esfregando com um pedaço de sabão as poucas roupas que lavava. Nada de pressa! Nada. Afinal a água que escorria da sarjeta era pouca e lentamente ia enchendo o balde que ia servir para enxaguar as roupas. Sua vida pobre e humilde não lhe proporcionava o conforto de ter em casa água encanada. Seu pequeno quarto em que vivia, e que dividia com seus quatro irmãos, era o único refúgio que possuía nos dias de chuva, frio e até mesmo das noites escuras. Um quarto que abrigava uma família que lutava diariamente para uma vida mais feliz e sem tantos sofrimentos. Um quarto que acolhia sonhos... sonhos de ter uma casa grande, cheia de quartos, de ter uma cozinha, sala...Uma casa que teria uma geladeira farta...uma casa que teria um quintal para poder brincar. Mas aquele quartinho não tinha nada disso. Não tinha luxo. Nada de luxo.  Nada de dinheiro. Nada de conforto. Os dois colchões que ficavam no chão servia de cama, sofá, mesa para os 5 habitantes daquela casa. Nada de luxo... nada. Uma vida humilde e pobre, regrada de muito esforço. Todos os dias com suas roupas sujas seguia para a mesma rua e ali esperava ansiosamente a água que escorria pela sarjeta. Água essa que certamente alguém estaria esbanjando em algum lugar. Como alguém poderia esbanjar tanta água? Ela sabia quão importante era saber economizar e não desperdiçar. Ela sabia o quanto sonhava em ter em sua humilde casa, água que saísse das torneiras e com ela poder lavar o arroz, tomar banho, lavar as roupas. Quanto sonhava com este dia. E como sonhava. Mas enquanto este dia não chegava ela continuava ali, esperando a água escorrer pela sarjeta. E continuava sonhando com a água encanada. Sonhava.


Publicado no Livro: Ideias Soltas- Editora Apem- 2010- p.70
Publicado Jornal da Manhã de Marília/SP em 13/03/2011- Caderno 2


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