INDIFERENÇA
O barulho dos carros, a agitação das
pessoas, o corre-corre contra o tempo. Tudo e todos pensando na hora do almoço
que já terminava, na prova de matemática, na reunião que começaria em poucos
minutos, na conta de água que tinha vencido e que tinha esquecido de pagar.
Tudo e todos agitados. Tudo e todos estressados, nervosos, inquietos,
preocupados. Menos ela. Ela que com seu jeito simples e sereno, não se
preocupava com o que as pessoas pensavam dela ou deixava de pensar. Apenas continuava
os mesmos movimentos repetidamente.
Mas as pessoas não ligavam para ela, ou
melhor, nem percebiam sua presença. Estavam preocupados de mais com seus
afazeres, com suas vidas que nem se quer tinham tempo de pensar em outras
coisas. Em outras pessoas.
E ela continuava ali. Ás vezes do seu
pensamento surgia uma música que gostava. Gostava de cantar. Como gostava de
cantar. Até tinha uma voz bonita, afinada. Cantar é bom, deixa o espírito mais
leve. A música é capaz de transmitir muitas coisas, todos os sentimentos: amor,
raiva, saudade.
Todos os sentimentos.
Resolveu parar um pouco. Sentia-se
cansada. Sentou-se na beira da calçada. Dali via todos os carros, e de todos os
modelos e anos. Que barulhão, motores ligados, buzinas, gritaria. Ai que poluição
sonora!!!
Levantou-se lentamente.
Com os gestos tranquilos, suas mãos iam
esfregando com um pedaço de sabão as poucas roupas que lavava. Nada de pressa! Nada.
Afinal a água que escorria da sarjeta era pouca e lentamente ia enchendo o
balde que ia servir para enxaguar as roupas. Sua vida pobre e humilde não lhe
proporcionava o conforto de ter em casa água encanada. Seu pequeno quarto em
que vivia, e que dividia com seus quatro irmãos, era o único refúgio que
possuía nos dias de chuva, frio e até mesmo das noites escuras. Um quarto que
abrigava uma família que lutava diariamente para uma vida mais feliz e sem
tantos sofrimentos. Um quarto que acolhia sonhos... sonhos de ter uma casa
grande, cheia de quartos, de ter uma cozinha, sala...Uma casa que teria uma
geladeira farta...uma casa que teria um quintal para poder brincar. Mas aquele
quartinho não tinha nada disso. Não tinha luxo. Nada de luxo. Nada de dinheiro. Nada de conforto. Os dois
colchões que ficavam no chão servia de cama, sofá, mesa para os 5 habitantes
daquela casa. Nada de luxo... nada. Uma vida humilde e pobre, regrada de muito
esforço. Todos os dias com suas roupas sujas seguia para a mesma rua e ali
esperava ansiosamente a água que escorria pela sarjeta. Água essa que
certamente alguém estaria esbanjando em algum lugar. Como alguém poderia
esbanjar tanta água? Ela sabia quão importante era saber economizar e não
desperdiçar. Ela sabia o quanto sonhava em ter em sua humilde casa, água que
saísse das torneiras e com ela poder lavar o arroz, tomar banho, lavar as
roupas. Quanto sonhava com este dia. E como sonhava. Mas enquanto este dia não
chegava ela continuava ali, esperando a água escorrer pela sarjeta. E
continuava sonhando com a água encanada. Sonhava.
Publicado
no Livro: Ideias Soltas- Editora Apem- 2010- p.70
Publicado
Jornal da Manhã de Marília/SP em 13/03/2011- Caderno 2
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